SOMANDO ESFORÇOS NO ATENDIMENTO DE CRIANÇAS COM TRANSTORNOS MENTAIS GRAVES: PSICOTERAPIA ANALÍTICO-COMPORTAMENTAL E PSIQUIATRIA.

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Um dos debates propostos na mesa redonda que aconteceu no III Congresso de Psicologia e Análise do Comportamento (CPAC), promovido pela UEL, entre 15 e 17 de maio deste ano, tratou do assunto abaixo descrito.

Os transtornos mentais na infância podem constituir um grande risco para o desenvolvimento sócio-cognitivo. Detectados e tratados adequadamente, o prognóstico do indivíduo pode ser favorecido. Diante de sua importância, o Psiquiatra e o Psicólogo muitas vezes precisam somar esforços, objetivando a mais rápida e completa resolução da morbidade, e possibilitando a retomada do desenvolvimento normal. A introdução da terceira edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM), da American Psychiatric Association, em 1980 representou uma importante inovação para a Psiquiatria Clínica, na medida em que se introduziu uma mudança paradigmática de um sistema nosológico para um sistema sindrômico e classificatório. Na medida em que o DSM e a CID 10 trazem classificações puramente descritivas, não etiológicas, com categorias definidas operacionalmente, a troca de informação entre a Psiquiatria Clínica e a Psicologia analítico-comportamental tornou-se possível, favorecendo aos psicólogos clínicos a busca de classes funcionais possivelmente concomitantes dentro de um quadro sindrômico, e aos Psiquiatras Clínicos à busca de classes funcionais dentro de um quadro sindrômico definido. A interação entre estas duas formas de pensar pode ser interessante em um contexto de saúde mental, na medida em que favorecem o processo de pensar os déficits ou excessos comportamentais das crianças como possíveis diagnósticos psiquiátricos. Com isso, permite-se a divulgação de possibilidades terapêuticas para a saúde mental da infância (técnicas comportamentais e terapias farmacológicas). Nesta palestra foram apresentados conceitos relacionados ao papel do psicólogo analista do comportamento e do psiquiatra comportamentalmente informado, importantes para o tratamento em saúde mental da infância. Abordaram-se questões sobre o processo de construção do diagnóstico em Psiquiatria da Infância, sobre particularidades da Análise Funcional aplicada à infância e sobre o tratamento conjunto entre psiquiatra e psicólogo.

Felipe Pinheiro de Figueiredo (Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento/ Departamento de Medicina, Universidade de São Paulo- FMRP/ UNICESUMAR, Maringá, Brasil) Mary Elly Alves Negrão (Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto – SP, Brasil) Simone Martin Oliani (Departamento de Psicologia, Faculdade Pitágoras de Londrina, Londrina, Brasil)

A insuficiência materna e o vazio do corpo-mente: história natural do desenvolvimento das somatizações.

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                Neste dia, feito para comemorar as mães, fico pensando neste sujeito que preenche o meu dia-a-dia. Ante às dezenas de mães que tenho o privilégio de topar ou estar neste papel que exerço de Psiquiatra da Infância e Adolescência, vejo de todas: mães-autoritárias; mães-participativas, mães-irmãs; mães-amigas; mães de sangue; mães de sentimento; mães de desejo; mães pais; mães avós. Daí me deparo que ser mãe não é apenas ser um sujeito, mas, muitas vezes, faz-se nela um adjetivo, um verbo, uma frase; um texto.

                Freud, Lacan, Winnicot e outros pensadores da Psicanálise já falavam do papel primordial deste personagem para o desenvolvimento do ser humano, num formato de um todo indissociável: mente-corpo. O ser humano é uma das poucas espécies que não nasce suficientemente independente. Por isso, precisa de um outro até que assim se torne (independente tanto em termos de desenvolvimento motor, quanto em termos de desenvolvimento cognitivo e afetivo). Assim, seria com base na relação mãe-filho que o processo de “regulação mútua” das relações entre as pessoas se constituiria. Uma mãe “suficientemente boa” permitiria a internalização deste processo pelo filho, representando as relações na instância do ego. Do contrário, as experiências relacionais ficariam isentas de simbolizações, experienciando-se corporalmente, nos órgãos. Estariam aí uma das explicações para as somatizações, tão comuns em nossa atual cultura.

                Segundo Lacan, o bebê, ou mesmo um adulto regredido, vivenciaria o corpo como feito de pedaços dispersos. O todo, por outro lado, estaria alienado ao corpo da mãe, sendo confundido por ela. Seria através do discurso materno que o inconsciente da criança faria-se modelado, permitindo, assim, a integração do seu próprio corpo e a consequente desvinculação do corpo materno, abrindo espaço para dois seres e relações diádicas.

                Assim, um imago materno que exagera ou ausenta-se na função de conter ou desintoxicar o excesso de estímulos provindos das mais diversas fontes, não permitiria o desenvolver-se deste outro em si. Expressa-se, desta forma, os sentimentos através do corpo.

                Bion usa o termo “mães hipocondríacas” para falar daquelas que desvirtuam as angustias das crianças, dando uma localização orgânica para algo que pertence ao todo. E assim, inicia-se uma forma de sentir; através de órgãos que doem, sim, mas junto a eles doem os sentimentos, muitas vezes esquecidos.

                A utilização da criança como uma imagem de si (numa extensão narcísica) ou como um complemento erótico estaria no âmago da questão. Enquanto isso, a figura do pai seria descartável, desqualificada e ausente do discurso simbólico.

                Pessoas que se desenvolvem desta forma costumam apresentar uma afetividade esvaziada, sem cor, e costuma-se chamar as relações destas como “relações brancas”. Tal dificuldade de colorir daria acesso ao pensar apenas de forma concreta, através dos órgãos. Criar-se-ia, assim, uma história sem palavras, onde o corpo seria o cenário e, portanto, nele seria a expressão dos sentimentos.

                Mas volta-se ao personagem, este, indispensável para que as partes se tornem um todo e que a extensão se torne independente. Com tudo isso, venho cá pensando na beleza e na dificuldade de ser mãe. Ao mesmo tempo que semeia e vê crescer, sabe-se que não é para si; ao ver se desenvolver, sabe-se que isto trará desprendimento e diferenciação. Como então suportar esta dor e, ao mesmo tempo, continuar a semear?! Será que há uma forma de se ensinar a ser aquela mãe de Winnicott “suficientemente boa”?

                Creio eu que a resposta sempre será negativa. Ser mãe é deixar-se moldar pelas intuições; deixar-se amar generosamente; deixar que um outro (o pai) dê pitacos em sua obra quando assim julgar importante; é apaixonar-se; fundir-se; desligar-se; sofrer junto; preocupar-se com os longos, distantes e perigosos saltos que, por sinal, ensinou a iniciá-los. Ser mãe é estar disponível para ser o que um outro lhe exigir; é desprender-se de si para encontrar num outro a modificação de si mesma que muitas vezes não é aquela mais sonhada, mas é a desenhada de fato. Por fim, ser mãe, acho, é estar presente apesar de ausente, para que, na ausência, haja um ser que, enfim, consiga, por cima, olhar nos olhos, abraçar generosamente e, enfim dizer: “obrigado mãe por me permitir sentir como um todo, amar como um todo, estar como um todo e, independente e longe de ti, te fazer como uma parte de mim.”

Felipe Pinheiro de Figueiredo
Medico Psiquiatra da Infância e Adolescência.
CRM PR- 31918.
Doutorando Programa de Saúde Mental – USP

Ansiedades e preocupações: quando o normal se torna um problema.

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            Quem nunca experimentou ansiedade? Aquela sensação desagradável e vaga de apreensão, como se algo fosse acontecer… E quando isso vem junto de sensações pelo corpo, como palpitações, aperto no peito, desconforto gástrico e inquietação? E o medo. Quem nunca sentiu esta apreensão frente a alguma ameaça conhecida? Sim, ansiedade e medo são emoções presentes em todos nós e as experimentamos como sensações absolutamente normais frente à situações novas, estressantes e que de alguma forma nos mobilizem afetivamente. São estas sensações que nos preparam para algo que irá nos exigir mais, e muitas vezes, nos permitem ultrapassar obstáculos da vida.

            Porém, a ansiedade e o medo podem se tornar prejudiciais para a vida. Quando nos encontramos em um estado constante e frequente de ansiedade, preocupação excessiva e medo capaz de nos causar sofrimento e prejudicar nossa qualidade de vida, devemos ficar atentos para a existência de um problema denominado pela Psiquiatria como Transtorno de Ansiedade Generalizada. Tal quadro afeta cerca de 6% da população ao longo da vida, gerando prejuízos importantes na vida social, escolar, no trabalho e em outras áreas da vida. A principal característica desse transtorno é a ansiedade e a preocupação excessiva presente a maior parte do tempo acerca das atividades do dia-a-dia.

            É claro que nos preocupamos com as tarefas rotineiras e com nossos compromissos do dia-a-dia mas, no caso do Transtorno de Ansiedade Generalizada, a intensidade, duração e frequência dessa preocupação encontra-se muito além do que a situação poderia nos gerar. A dificuldade em controlar essas emoções desagradáveis é tão intensa que atrapalha a atenção e a concentração nas tarefas mais simples, dificulta a tomada de decisões e mesmo o controle de impulsos. Nesses momentos, tudo pode ser motivo de preocupação, medo e ansiedade ocupando a mente: a própria saúde, a saúde dos familiares, acontecimentos no trabalho, situação financeira, compromissos próximos, viagens, fatalidades, prazos a cumprir e qualquer tarefa rotineira.

            Alguns sintomas ansiosos podem se manifestar ainda na infância e adolescência, se agravando ao longo das fases da vida, até se tornar um quadro que atrapalhe e cause sofrimento. Pelo caráter multifacetado do Transtorno de Ansiedade Generalizada que, com muita frequência, incluem sintomas físicos, quem sofre acaba procurando profissionais médicos como clínicos, cardiologistas, gastroenterologistas e neurologistas, buscando ajuda e explicações para os sintomas. Quando nenhuma causa física para os sintomas é encontrada, a hipótese de um transtorno de ansiedade deve ser levantada e tratada.

            Neste momento, o médico psiquiatra se torna o profissional preparado para realizar uma avaliação clínica considerando fatores biológicos, psicológicos e ambientais para o esclarecimento do diagnóstico e orientação do tratamento adequado. O tratamento da ansiedade generalizada nem sempre é medicamentoso. Os casos leves a moderados podem ser tratados apenas com psicoterapia. Nos casos cujos sintomas apresentam-se mais intensos, a terapia medicamentosa e associada a psicoterapia, resultam em uma maior efetividade. O tratamento, quando bem conduzido, devolve o bem estar e a qualidade de vida essenciais para o restabelecimento da capacidade de enfrentar os medos e as apreensões da vida.

Dra. Giovana Jorge Garcia

Médica Psiquiatra
CRM-PR: 24.337/RQE:17431
Doutoranda do Programa de Saúde Mental
Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
Universidade de São Paulo-USP