SEU FILHO PRECISA MESMO SER TÃO FELIZ?

Educar-dá-trabalho

Escrito por Cris Leão via Antes que eles cresçam 

 

No meu tempo de criança, os pais eram pessoas esforçadas pelo sustento da família. Com ostentação ou sem, as pessoas eram mais preocupadas com o trabalho do que com ser feliz. Talvez por isso, já que filhos querem sempre fazer tudo diferente dos pais, agora todo mundo quer fazer o filho feliz, acima de tudo. Isso explica os valores escandalosos que se paga hoje em dia por uma festa de aniversário, a quantidade de brinquedos que as crianças têm e o número enorme de brasileiros indo para a Disney, às vezes para passar o final de semana. Claro que existe a culpa de muitos pais que trabalham demais e tentam compensar os filhos de alguma forma.

Mas reflexo da culpa ou não, as crianças de agora nasceram para ser felizes. Será que está certo isso?

Vamos lembrar da nossa infância. Eu pelo menos, era muito feliz. Brincando com minha amiga que morava na casa ao lado, passávamos horas penteando o cabelo uma da outra, ou fazendo comidinha com as plantas do jardim. A maior aventura de que me recordo era brincar de pega-pega com o meu cachorro. Muito básico para você? Acontece que meu cachorro se transformava em uma onça que na verdade era uma Medusa, então em um simples olhar, ele poderia nos transformar em pedras. Por isso estávamos sempre equipadas com frascos vazios de shampoo cheios de água que explodiam como granadas quando caiam no chão. Pois é, criança vem com imaginação de berço. Por isso não precisa ir até Orlando ver os espetáculos de fogos de artifício para ficar maravilhada. Aliás, cá entre nós, já estive na Disney 3 vezes (2 em Orlando e 1 em Paris) e nunca vi tanta criança triste em um parque. Chorando, cansadas, angustiadas, com as mães e os familiares estressados. Claro, já viu o tamanho do lugar? E a quantidade de informação? E de sorrisos maquiados, brilhos, alegria explosiva? Gente, somos humanos. Isso não é um filme. É vida real. Não somos super heróis, nem princesas. Seu filho vai comer aquela salsicha processada junto com aquele pão velho de uma lanchonete linda com várias coisas girando, e pode ser que passe mal. E ai? Não! Não pode passar mal na Disney. Tem que curtir. Tem que ser feliz.

Eu trabalhei para a Disney traduzindo todos os materiais para português durante 4 anos. Sou encantada com a empresa e com o negócio em si, gosto de ir porque moro a 300 quilômetros de distância, temos o passe anual então é um programa barato em um lugar super organizado e bonito na maioria das vezes. Só estou usando de exemplo porque sei que é uma viagem muito cara para se fazer do Brasil mas isso não está impedindo cada vez mais brasileiros de fazerem. Minha pergunta usando este exemplo é: será que precisamos fazer tanto pelos nossos filhos? (Viagem de 8 horas de avião, filas intermináveis, kilômetros e mais kilômetros de parque de diversão) Eu suponho que não. E que está errado os pais sentirem que são responsáveis por fazer dos filhos, pessoas felizes. De onde tiramos essa ideia maluca?

O que eles precisam na verdade é de adultos para educá-los. E como adultos é claro que estamos ocupados. Com a família, com o trabalho, com as funções da casa. Se nessa lista se somar “a felicidade do(s) meu(s) filho(s)” alguém vai ficar muito sobrecarregado e frustado. Talvez seu filho, talvez você, talvez todo mundo. É chato tentar e não conseguir. Já pensou como sente os pais que pagaram a viagem em 6 vezes, passaram 8 horas na lata de sardinha, mais 1 hora em um brinquedo se o filho sair do brinquedo chorando?

Uma vez eu li o livro Encantador de Cães e fiquei fascinada com o raciocínio simples que o genial Cesar Millan escreve ali. Ele diz que cães só vão obedecer quem eles respeitam. E para ganhar respeito, é preciso ser a autoridade, é preciso colocar ordem antes do amor. Agora tente trocar a palavra “cães” por “filhos”, dá no mesmo. Autoridade é o contrário de democracia. Os pais não podem estar sempre abertos “o que querem comer, o que vamos fazer hoje, onde vamos passar as férias”. Entende como é complicado para a criança ouvir isso? Sentir que não existe uma ordem. Ela no auge dos seus 4 anos (ou por volta disso) é que precisa saber, querer e lidar com seus desejos. Meu Deus, está tudo errado ai. No meu tempo de criança, minha mãe interrompia a brincadeira trazendo uma bandeja com uma limonada fresca e biscoitos Maria. Sempre que lembro dessa cena (que aconteceu várias vezes) ela aparece iluminada como uma fada. O que eu sentia era: Nossa, ela é mágica! Como ela sabe que estamos com fome e com sede? Teria sido bem diferente se ela tivesse aparecido e perguntado: querem lanchar? vão querer sorvete ou pode ser biscoito mesmo? Estava pensando em fazer uma limonada, vocês vão beber? Ou é melhor eu trazer um suco de uva?

Infelizmente não estou escrevendo isso porque já aprendi a lição depois de ler o livro. Estou tentando aprender. E só estou escrevendo sobre isso porque descobri que tenho errado bastante. Desde que nos mudamos para Miami, fico com pena e compaixão por qualquer expressão de sofrimento que meus filhos tenham. Porque sei que é difícil para eles. E até esqueço que é difícil também para mim. Minha vida mudou completamente. Mas nem lembro disso. Só penso neles. A consequência? Minha filha de 4 anos cada dia faz uma coisa para me irritar. E então percebi que ela está fazendo isso porque eu estou irritando ela. E porque? Porque estou aberta todos os dias para ouvir, para entender o lado dela. Não parece errado à princípio, certo? Mas está errado. Criança precisa de adulto, alguém que tenha um norte, e ela acompanha o caminho, se frustando, entendendo seus limites e entendendo, porque não, que a vida não é um parque de diversões cheio de pessoas fantasiadas sorrindo para você o dia todo. A vida é para evoluir. Vamos tentar evoluir como pais antes que eles cresçam. Já pensou como deve ser frustante a adolescência de uma criança que sempre teve uma, duas, ou mais pessoas prontas a atender seus pedidos? Como deve ser difícil perder para um adulto que passou a infância sempre ganhando? Nem que a custa de 12 sofridas prestações para os pais?

Educar dá mais trabalho do que servir o sorvete antes do jantar, já que seu filho está querendo tanto. Educar envolve mais compromisso do que pagar as 6 parcelas da viagem mágica. Educar é coisa de gente grande. Deve ser por isso que crianças não podem ter filhos. Porque filhos precisam de adultos. Parece que esse é o grande problema da minha geração, não queremos ser adultos. Outro dia vi um post sobre a crise dos 25 anos. Levei o maior susto! A maioria das pessoas que conheço estão nessa crise aos 35 (ou mais). Está na hora de dar esse passo. Parar de focar só na diversão e na felicidade e evoluir, amadurecer. Todo grande passo na vida acontece quando a gente faz aquilo que é desconfortável.

Já aprendemos muito sobre diversão e entretenimento, que tal agora aprender a viver?

 

“Ele morreu, mamãe?”

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Personagens de filmes infantis morrem mais que os de filmes adultos.

Mas é importante deixar a criançada assistir.

Camila Guimarães

Os pais estão reunidos na sala de TV para assistir, com os filhos pequenos, a um DVD de desenho animado. Subitamente, o programa aparentemente inofensivo virou um problema para o fisioterapeuta José Luiz da Silva. Ele foi surpreendido pela reação de Julia, sua filha mais velha, então com 4 anos, a uma das cenas.

O desenho era O Rei Leão, que conta como o pequeno Simba assume o trono no lugar de seu pai. Um inimigo ganancioso e traiçoeiro mata o pai de Simba – e seu corpo é descoberto pelo leãozinho. Ao assistir à cena, Julia chorou. Não parava de chorar. Sem conseguir consolá-la, os pais desligaram a TV e se viram obrigados a falar com a filha sobre a morte, ali mesmo, no sofá.

Os anos passaram e os pais de Julia se separaram. Silva se casou de novo e, com Maria José Maciel, teve Luiza. A menina, hoje, está com a mesma idade de Julia na época da choradeira. O pai decidiu que já era hora de Luiza conhecer a história de Simba. Mas, desta vez, precavido – e talvez traumatizado -, usou o controle remoto e pulou a parte da morte do velho rei leão. Luiza adorou o desenho e pediu para ver de novo.

A família viu mais uma vez, novamente sob a censura do controle remoto. Até que os pais tomaram coragem, combinaram um discurso a respeito da morte e sentaram com Luiza para assistir ao desenho sem cortes. No momento da cena mortal, tensão na sala. Silva e Maria José não desgrudaram os olhos da menina, esperando as lágrimas.

Que não vieram. Luiza não chorou nem perguntou a respeito do assassinato – em nenhuma das dezenas de vezes que assistiu ao DVD. Mesmo assim, os pais continuam atentos. “Procuramos saber antes do enredo dos filmes que ela vai ver e assistimos junto”, diz Silva.

Situações como a de Julia podem acontecer com mais frequência do que os pais gostariam. De acordo com uma pesquisa publicada no final do ano passado no British Medical Journal (BMJ), as famílias caem numa armadilha quando acham que desenhos infantis são menos mórbidos que filmes adultos.

Conduzida por psicólogos e psicanalistas de universidades do Canadá e do Reino Unido, a pesquisa comparou os desenhos para crianças com dramas adultos, todos sucessos de bilheteria. Cada produção infantil foi comparada com dois filmes adultos do mesmo ano – desde 1937, com o clássico Branca de Neve, até 2013, com Frozen.

Descobriram que cada personagem importante dos desenhos tem chance de morrer 2,5 vezes maior. E três vezes mais chances de ser assassinado. O estudo observa o número de personagens importantes, a frequência, e o tipo de morte.

“Decidi fazer esse levantamento depois que uma amiga me alertou para não assistir aos primeiros cinco minutos de Procurando Nemo com meu filho pequeno”, diz Ian Colman, professor de epidemiologia da Universidade de Ottawa, no Canadá. A mãe do peixe Nemo é engolida por uma barracuda no início do filme – mais ou menos como acontecia com a mãe de Bambi, abatida a tiros 61 anos antes.

Não é por acaso que o tema da morte aparece nos desenhos infantis. Geralmente, quem morre são os pais – e a ausência deles é, na verdade, a razão de ser do enredo. Por isso, acontecem quase sempre no início do filme.

“Quando o personagem principal fica órgão, a criança imediatamente se identifica com ela”, afirma Glaucia Faria da Silva, psicanalista e psicóloga do Hospital Infantil Sabará. “Ela aprenderá, ao longo do filme, de onde pode tirar forças para superar a dor da perda. Isso fisga a criança”.

Na pesquisa do BMJ, em filmes que mostram famílias, pais e mães têm cinco vezes mais chances de morrer nos desenhos infantis que em histórias para adultos. Não há dados sobre a morte só das mães, mas desde os contos de fadas ela é a ausência preferida.

Ou a mães não existe desde o início da história (como em A Bela e a Fera) ou morre (como em Bambi). Às vezes, é substituída por uma madrasta (Branca de Neve e Cinderela). “A mãe é preservada como a imagem da bondade e a madrasta personifica as coisas ruins”, diz Glaucia. “Isso ensina as crianças a lidar com seus sentimentos”.

Para isso serve a fantasia: para que as crianças aprendam a lidar com sentimentos reais. Por isso, o conselho dos psicólogos é deixa-las ver as cenas “fortes” dos desenhos. Mas há cuidados. “É preciso saber quando é a hora certa para conversar sobre a morte”, diz a psicóloga Maria Tereza Maldonato.

Crianças só entendem que a morte não tem volta perto dos 10 anos. Antes disso, os desenhos são um treino para aprender a lidar com sentimentos que ainda não estão claros. Algumas crianças, como Julia, corarão. Outras, como Luiza, não se incomodarão quando alguém querido morrer. Para todas elas, a realidade seria muito mais assustadora se não fosse o conto de fadas.

FONTE: Guimarães, C. Revista Época: Coluna Paradoxos e contradições: “Ele Morreu, mamãe?”; Edição número 869; 2 de fevereiro de 2015, p. 54-55.