Self Portrait Fragment por Jamie Salmon
Narciso apaixonou-se, seduzido, pela própria imagem refletida no lago. Inebriado pela representação de si mesmo prostrou-se, paralisado diante do espelho – imagem equivocada. Com o tempo, entediou-se daquilo que o lago lhe apresentou – uma imagética que não era capaz de satisfazê-lo.
O senso acerca de quem somos e o quanto nos sentimos valorizados depende significativamente do olhar de pessoas importantes para nós. De certa forma, isso parece regular e estimular o modo como nos sentimos bem conosco mesmos e com o mundo. Concordamos que críticas ferozes e um olhar de desaprovação podem abalar de maneira muito dolorosa nossa autoimagem, certo?
Um grau de preocupação excessiva com a própria imagem perante os outros e um insistente investimento consigo mesmo podem estar muito intimamente ligados ao modo de funcionamento atual permeado pelas mídias e pela necessidade em ver-se e ser-bem-visto constantemente, ou seja, como afirma Mc Williams (2014) “a vida contemporânea reforça as preocupações narcisistas, gerando inseguranças, estimulando vaidades e ambição” – a imagem substituindo a substância e, criando novas manifestações para nossos esburacamentos.
Para Donskis (2014) nossa era de autorrevelação, fixada no sensacionalismo barato, nos escândalos políticos, nos reality shows e em outras formas de auto exposição em troca da atenção do público e da fama, valoriza incomparavelmente mais o pânico moral e os cenários apocalíticos que a abordagem equilibrada, a ironia leve ou a modéstia.
Assim, a história construída ao longo da vida, a reputação, a sinceridade, o valor podem ser rapidamente substituídos pela impressão imediata, pela imagem irretocável, pela “evidência observável de sua superioridade”, como afirma Tocqueville (2002).
No entanto, há vulnerabilidades ainda mais profundas para aqueles cuja manutenção da autoestima, do senso de integridade e da própria identidade está atrelada e apenas sustentada por meio de afirmações externas. Personalidades narcisistas tem alta sensibilidade às críticas, um Self depreciado que é compensado pela idealização e complementarmente para desvalorização do outro, assim o perfeccionismo é motivável. Há um pavor da insuficiência/impotência que fica à espreita e defesas contra o sentimento de devastação são empreendidas – em geral aparecem formatadas como ideais grandiosos não realistas – para resguardar da vergonha, da fraqueza, da impotência, ou seja, desamparos traduzidos por uma fome interna exaustiva por reconhecimento.
Então, a desvalorização do outro aparece, pois ele tem tudo, é tudo, pode tudo; enquanto para a personalidade Narcisista há uma inveja relativa ao que lhe falta em qualidades como beleza, saúde, potência, inspiração, virtudes. Para Donskis (2014) por trás dessa tendência está o medo esmagador de desmoronar ou de ser quem se é; o medo da desimportância; de desvanecer no ar sem deixar vestígios de visibilidade e presença; o que equivaleria a se tornar uma não-entidade, ao fim da própria existência – ou um fragmento imagético de si mesmo refletido no lago.
Autor:
Dra Giovana Kreuz – CRP 08/07196