Entende-se que o propósito da instituição organizadora do evento em “dar visibilidade” às crianças em situação de vir a ser adotadas é de importante validade, contudo tal processo não pode ser realizado de forma a expô-las de modo potencialmente negativo, mas sim de maneira responsável, cuidadosa e processual.
A exposição das crianças em um evento público, em que elas desfilam para pessoas com interesse de adotar tem o potencial de transformar o ato de adoção, que deve ser um processo cuidadoso de responsabilidade e afeto, em ato de mercantilização da criança. Isto porque a criança fica em uma posição de vir a ser “desejada” por uma possível família adotiva a partir de meramente suas características físicas, sua aparência, a partir daquilo que é produzido para ser mostrado no desfile, ou seja, podem ser escolhidas com base em critérios superficiais e não pautados no processo de estabelecimento de vinculo necessário para a adoção.
Temos que considerar ainda que o risco que se corre em prejuízo ao desenvolvimento psíquico da criança que porventura não venha a ser adotada após o desfile. A frustração gerada nesta situação possivelmente a levará a (re)vivenciar uma significativa sensação de rejeição (o fato de estar para adoção já necessariamente pode contribuir para essa sensação), de forma que pode acarretar em consequências danosas para o sentimento de exclusão social e, por conseguinte, seu desenvolvimento psicológico pode ser afetado, com graves consequências emocionais.
Adoção é um assunto sério que deve ser tratado de forma técnica, porém sem perder na afetividade e cuidado com todos os envolvidos no processo, de modo a possibilitar a construção de vinculo afetivo e a convivência familiar da criança, sem ferir sua dignidade e privacidade. Assim, existem inúmeros modos de alcançar este objetivo que não envolva a exposição por vezes violenta (do ponto de vista emocional) a situações de possível exclusão e não aceitação de si. Utilizar de recursos como encontros que permitem um conhecimento mútuo criança-família, onde as crianças possam ter a chance de falar de si mesmas, de seus sonhos, sentimentos e interagir construtivamente, sem riscos de exposição inadequada, tendem a serem muito mais positivos ao processo de adoção, colaborando para a manutenção do bem-estar psíquico da criança, seja ela adotada ou não.
Autora:
Me. Raquel Antoniassi
CRP:08/10815
Psicologa Gestalt Terapia